ELIZABETH SLAMEK
Elizabeth Slamek
Bandeira branca, 2021
Madeira em brasa sobre algodão
Elizabeth Slamek
Vive e trabalha em São Paulo, SP.
Instagram: @elizabeth_slamek_atelie
BANDEIRA, MANIFESTO
Ao entrarmos num dos amplos espaços que compunham a exposição Dizer Não, realizada em galpões na Barra Funda, chama atenção um tecido branco, frágil, misterioso e solitário, que repousa sobre uma viga no teto e se derrama até o chão.
A exposição possui um caráter de interposição da realidade, um corte na espessa atmosfera da situação atual a qual nos compete. Seu discurso é no fio da faca: mobilização e desobediência civil.
Então, esse tecido, atravessado por furos alinhados que guardam em seu contorno vestígios da queima que os produziram, quase plaina diáfano sobre nossa cabeça. A mesma cabeça que é convocada ao posicionamento político, à manifestação de sua oposição. No entanto, esse tecido é também figura autoportante, estandarte, flâmula – não coincidentemente, o termo designa tanto bandeira como pequena chama, indicando a perspicácia do trabalho.
Beth Slamek retoma produções anteriores ao figurar nessa mostra. Essa Bandeira Branca, de 2021, é resultado de anos na pesquisa de tecidos, design, arquitetura. Embora recupere conceitos antes pesquisados, direciona-se para uma zona sensível e histórica, que possui em sua genealogia tantas experiências– principalmente a partir da segunda metade do século XX – de artistas que exploraram o plano da pintura e o atravessaram usando, entre outros elementos, o fogo de forma controlada.
Entretanto, Slamek faz Yves Klein sair de cena para dar lugar a Eva Hesse. Essa é a operação feminista que interessa em Bandeira Branca. A obra realiza-se oscilando entre o construtivo – organizado, impositivo, serializado das linhas que seguem um ritmo mais ou menos contínuo – e o acaso – do tecido atravessado pelo fogo e, depois, pelo vento. O aspecto rendilhado do algodão tramado carrega a memória das práticas femininas relegadas à intimidade. Slamek participa dessa história intimamente, trazendo em sua experiência a relação com esse Outro feminino, dito popular, de um coletivo que narra e transmite.
O trabalho de Slamek amalgama esses lugares da sua experiência – o domínio da intimidade feminina – e a estruturação da arquitetura tornada design. Bandeira Branca resulta dessas vivências em mundos contraditórios, que foram excludentes para mulheres artistas na costura de sua profissão. Os furos da queima estão lá como a exigência de sistematização do aprendizado acadêmico, que apresenta o novo mas dá polimento ao espontâneo (nem sempre bem-vindo). A obra nos fala exatamente desse lugar incômodo, no qual Slamek chegou por escolha, na maturidade – sua e do trabalho.
A costura e o tecido estavam no início de sua produção artística, há cerca de 20 anos. Não era permitido às mulheres, porém, que se colocassem efetivamente. A trajetória de uma mulher artista é errante, deriva da persistência em insistir no fazer, mesmo que esse fazer esteja fora daquilo que foi projetado para ela; e não por ela. Então, a presente obra vem como manifesto político dessa devoção às artes visuais, em particular dos objetos instalativos, moles, vazados, trespassados, enviesados, bem como do percurso de Slamek.